segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Desequilíbrio nas relações corporações-cidadão - Crónica 42

‘Comando actualidade’, canal 24H (20.12.10): O Banco Sabadell possui 1700 casas e andares por toda a Catalunha; Existem nesta data 1,5 milhões de casas sem vender em Espanha; 100.000 casas ou andares, em Espanha, estão embargados por bancos; os ‘Fundos Abutre’ ingleses e americanos começam a entrar no mercado espanhol, gastando 30 ou 40 milhões de euros em compras de casas por atacado aos bancos, para mais tarde vendê-las uma a uma; um construtor que trabalha na conservação dos seus andares vazios, alguns assaltados várias vezes, teve que despedir uns 180 de 300 trabalhadores; um casal alemão investe na construção de uma casa em Marbella que vai ser vendida a ingleses por uma promotora sueca…

Miguel Sousa Tavares alertava para o escândalo que constitui o facto de a PT não pagar “um tostão de mais-valias num negócio de 7500 milhões de euros porque factura os lucros da operação através de uma sua subsidiária sediada na Holanda, onde a taxa de IRC é de… 0%! É um escândalo para a Holanda, que serve de barriga de aluguer para dumping empresarial e fuga fiscal, e um escândalo para a UE, os Estados Unidos e todo o G20…”. MST classifica os offshores de “coisa pornográfica” e “autênticos salteadores da riqueza das nações e fábricas de desempregados”. Conclui, escrevendo que “nunca o capitalismo foi um jogo tão viciado e amoral. A falência óbvia do socialismo foi o caminho aberto para a libertinagem, sem regras, sem princípios morais e sem qualquer preocupação de que a economia sirva os povos, em lugar de os sugar” (em Expresso, 20.11.10).

Da especulação pura dos ‘Fundos Abutre’, ao embargo pelos Bancos de casas hipotecadas, por falta de pagamento, a dança carnavalesca dos mercados bancário e imobiliário prossegue… Os benefícios fiscais manobrados pelas ‘Telecom’, completam o ramalhete de vantagens que vão claramente para os sacos das poderosas instituições, em prejuízo do pequeno consumidor e contribuinte!
No caso da banca, é patético o desequilíbrio verificado na relação com os devedores ou 'prestatários'. E a Justiça permite-o! São conhecidos os 1.200 milhões de euros de lucro dos 4 maiores bancos privados portugueses (BESC, BCP, BPI, Santander) nos 9 primeiros meses de 2010, em plena crise internacional, com a economia em retracção, o desemprego em aumento, bem como o encerramento de pequenas empresas a quem os mesmos bancos negam créditos… (ou os 4,6 milhões/dia, que ganharam os 5 maiores bancos em Portugal - os anteriores + CGD). Os bancos assumem zero riscos nas operações de empréstimo para a compra de casa (apenas correm o risco de ganhar menos do que pretendem) … Para as famílias, o risco pode significar ir viver para a rua!
Os bancos deviam assumir parte do risco dos seus empréstimos e não lhes devia ser permitido embargar casas se isso significa deixar uma família sem tecto. Por outro lado, o Estado devia assumir parte da responsabilidade, criando um mecanismo de protecção que assumisse a divida ao Banco e renegociasse as condições com as famílias, proporcionando-lhes uma almofada de ar, mas, sobretudo, opondo-se a que alguém seja despojado da sua casa perdendo tudo: o lar e o valor entretanto pago ao Banco…

“Sobram exemplos de até que ponto os dirigentes políticos e os líderes sociais se limitam a gerir a ignorância dos outros”… O exercício abjecto do poder político é um dos 3 factores que, nas sociedades complexas, “nutrem o descontentamento e a infelicidade” (junto com a disparidade entre índices de crescimento económico e de felicidade, e o que E. Punset chama de ‘sociedade das avarias’).
“Quando se analisa o paradoxo do declínio dos níveis de felicidade no mundo em que não cessa de aumentar o nível do bem-estar e equipamentos produzidos, chega-se à conclusão de que a sociedade moderna investiu demasiado em frigoríficos, máquinas de lavar loiça, carros, gruas, estradas ou equipamentos digitais, e demasiado pouco em valores intangíveis como o compromisso com os demais ou a felicidade”!

Ahh, como somos tantos a estar de acordo com MST! Porque é que uma maioria não consegue decidir o rumo do seu próprio país e se deixa governar por pessoas que acabam por defender interesses minoritários de um capitalismo sem escrúpulos?!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A máquina sexual feminina e a linguagem - Crónica 41

A sexualidade feminina contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da linguagem. Parece uma crónica tirada da ‘Caderneta de cromos’ do Nuno Markl, mas não é! Na verdade tem uma ampla base científica o que a seguir vou transmitir (numa adaptação dos textos do divulgador científico espanhol, Eduardo Punset). E começa bem, mas não tirem conclusões antecipadas: “a fêmea humana é a que mais tempo desperdiça em praticar sexo em todo o planeta”. O termo ‘desperdiça’, empregado por ele, será aqui uma questão de opinião, pensarão algumas! Mas é que, ao contrário de todos os outros animais, os hominídeos fêmea eliminaram “a informação que poupava tempo, ocultando o momento da sua ovulação - o sinal de ‘estou pronta para o sexo’. É como se a mulher, para conseguir tempo do homem, se negasse a dar essa informação correcta ou tivesse evoluído para não poder dá-la. (…) A mulher necessitou que o homem lhe dedicasse tempo, porque o tempo se traduz em energia, em aprovisionamento, em carne, em ajuda com os filhos (neste aspecto, é provável que alguma leitora já esteja a esboçar um sorriso)… Em lugar de sinalizar a ovulação durante um período breve, ocultou-a e, em lugar de evitar a coincidência do seu ciclo com o resto de mulheres, passou a sincronizar inclusive a ovulação (para acabar com a competição) … o pior custo para a mulher é que teve que converter-se numa máquina sexual a todas as horas. Assim, a mulher evoluiu para poder praticar sexo em qualquer momento do seu ciclo hormonal”.
“Esta revolução sexual levada a cabo pelas fêmeas nos alvores da nossa evolução como espécie estaria na raiz do nascimento do conjunto de leis que deram segurança ao grupo, reduziram o stress e a desconfiança e fizeram possível a aparição da linguagem”! A‘Eva’ levou a água ao seu moínho e a traição da maçã foi por uma boa causa...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A água, um bem escasso! - Crónica 40

A água, “é um bem magnífico, aparentemente à disposição de todos, mas na realidade é algo de que alguns abusam e de que outros carecem. As Nações Unidas apresentaram um relatório segundo o qual «os norte-americanos consomem 550 litros de água por pessoa e dia; os europeus, uma média de 350, e os africanos da África negra, entre 8 e 10 litros de água por pessoa e dia», o que demonstra as enormes diferenças do planeta” (Eduardo Punset, ‘Porque somos como somos’).
Simultaneamente, segundo dados da OMM (Organização Mundial de Meteorologia), 17 países registaram recordes de temperaturas máximas (Ago.10). No verão passado, na Catalunha, devido à seca as autoridades proibiram o enchimento de piscinas e outros consumos não essenciais. No entanto, existem novos projectos para a instalação de campos de golf, e os que estão em construção continuavam a consumir as quantidades de água que se imagina. A guia de um autocarro turístico vindo da Galiza, ao passar por um daqueles campos, mostrava a beleza do verde, escamoteando o problema da falta de água para o qual os galegos estavam perfeitamente conscientes.
40% da comida que consumimos tem origem em plantações de regadio e esta consome 70% da água que gastamos. 20% da água doce do planeta corre na floresta amazónica (‘Planeta Terra’ de 21Jun.10 em ‘La 2’), mas também esta se vê acossada pelos incêndios e pela seca: este ano observámos como pequenos barcos ficaram encalhados na areia do leito seco do rio Negro.
Desde 1850 a temperatura média no mundo aumentou 1º (em 2100 poderá ter subido de 2 a 6,4º) devido, em parte, à crescente acumulação de CO2 (sobretudo a partir dos anos 80). Com isso os glaciares reduziram-se 10%, o nível do mar subiu e a água doce escasseia… Mário Molina, Prémio Nobel da Química em 1995, disse: “Ficaremos sem atmosfera antes de ficarmos sem petróleo”.

sábado, 27 de novembro de 2010

Nova recessão ao virar da esquina… - Crónica 39

Os Estados Unidos da América são o país com o maior número de reclusos: têm 2 milhões de presidiários, e muitos (7 em cada 10, no caso da Califórnia) são designados de “passageiros frequentes” porque reincidem. Um membro de um gang, tatuado, esteve preso 96 vezes. Muitos não têm nada lá fora e, ao sair, recebem 180USD para refazer a vida ou, como bilhete de volta!!!
A China, há 50 anos era um país pobre; há 15 anos era ‘emergente’; no ano passado passou a ser a 2ª economia do mundo; agora, a crise internacional e consequente redução de encomendas obrigou ao encerramento de fábricas. Só no delta do rio da Pérolas existem 35 milhões de desempregados… (Histórias do Mundo, SIC, 26.11.10). Em Portugal, a Caritas aumentou o número de pessoas a quem presta apoio de 5.000 para 62 mil (dia 15 Nov.) e considerou que os casos de pobreza aumentaram 30% este ano.
Enquanto o economista George Soros anunciava (em Junho) que a China iria “liderar a recuperação económica …”, e o mundo esboçava um sorriso por os americanos começarem a provar o amargo do seu próprio remédio (ao ver emergir uma economia que pode superar a deles), eu acrescentei numa crónica deste blog, em Julho, que provavelmente a China iria liderar também o próximo crash…: “O crescimento anual de dois dígitos da China pode bem vir a provocar o próximo ‘crash’ global pois não é possível sustentá-lo indefinidamente. A China corre o risco de se tornar na vítima do seu próprio crescimento descontrolado, e com ela arrastar toda a economia mundial! O mundo está repleto de exemplos de coisas que ultrapassam as nossas medidas e capacidade de domínio. A ambição desmesurada do Homem é, frequentemente, a causa da sua própria ruína”.
Se alguém do governo PS ou algum apologista do neo-liberalismo lê-se este texto, sem dúvida falaria de discurso alarmista e de fatalismo e que o que é necessário é ‘dar confiança aos portugueses’… mas isso são as sopinhas mornas a que estes ‘dirigentes da nação’ e amigos da ‘privatização dos lucros e socialização dos prejuízos’ nos querem habituar para continuar a viver no irrealismo do seu alto pedestal! “Esta gente está protegida e não faz esforço nenhum”, disse Macário Correia (RTP, 27.11.10), referindo-se aos defensores do regime de excepção para altos quadros de empresas públicas, no que concerne à aplicação de reduções salariais de 5%! “Sobram exemplos de até que ponto os dirigentes políticos e os líderes sociais se limitam a gerir a ignorância dos outros”, escreveu Eduardo Punset.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Fantasia e justiça social! - Crónica 38

Nem de propósito! Depois de em Wall Street se ter levantado, de novo, o fantasma dos prémios dos executivos de grandes empresas financeiras americanas intervencionados com dinheiros públicos no inicio da actual crise internacional – foi estimado em 104 mil milhões de Euros o valor dos ganhos em prémios pelos executivos das empresas da maior praça bolsista do mundo, o que representa 4% mais dos que no ano de 2009 que já tinha sido um recorde (TVE1, 13.10.10); e depois daquele e-mail que circulou por aí mostrando como 20 administradores de empresas públicas portuguesas (vinte, enfatizo) recebem 52,8 milhões de euros por ano (desde os 58,8 mil euros/mês do administrador da Carris aos 371 mil/mês do administrador da CGD e aos 420 mil do da TAP, mais prémios, 13º mês e subsídios), o suficiente para dar emprego a 4.190 funcionários públicos (a 900 euros/mês, ou a 6.285 pessoas se recebessem 600€/mês, que é mais que o salário mínimo)! Quem fez circular este e-mail exclamava no final: “E depois ainda querem saber se a malta está disposta a abdicar do subsídio de férias e/ou Natal para ajudar o país…”; e considerava ‘escandalosos’ e ‘ofensivos’ os salários pagos pela RTP aos seus directores e jornalistas, uma empresa financiada com dinheiro dos contribuintes e que dá prejuízo (José Alberto Carvalho, como director de informação, tem um vencimento ilíquido, e sem contar com as ajudas de custos, de 15.999 euros por mês)! A EDP ficava fora desta lista, mas o seu administrador, António Mexia, esteve recentemente na televisão a tentar explicar o inexplicável: a barbaridade que representa o volume recorde dos prémios que recebeu… O governo vem, só agora, proibir a acumulação de vencimentos e pensões na função pública. Como é que isto foi possível até hoje? Se a medida se destinasse a ‘povinho’ provavelmente teria efeitos retroactivos, mas sendo para a classe dirigente…
Depois destes dados, dizia, a RTP1 (em Jornal da Tarde de 10.11.10) entrevistou uma funcionária do sistema fiscal suíço. Vejam só: na Suíça, o máximo que uma pessoa pode receber de reforma são 1.700 euros por mês (considerado o suficiente para uma vida condigna), para além de eventuais benefícios a titulo privados. O Estado garante, desta forma, o essencial aos mais necessitados. Democratizando o sistema sem comprometer o orçamento da segurança social. Afinal aquilo que eu defendia, como se recordarão os que comigo falaram sobre o tema! Por cá, continuamos a viver no ‘País das maravilhas’!!!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A nova pobreza II - Crónica 37

(continuação da anterior)
Se é verdade que existe uma relação tão directa entre riqueza, consumo e poluição (ver crónica 17, de 19.07.09), que domina a sociedade ocidental actual, então, também a cada pessoa devia estar associada uma quota de consumo/poluição (tal como existe a nível de certos países, no caso da poluição, no caso da produção de leite ou cereais, ou no caso das capturas piscícolas), dentro da qual estaria permito ‘respirar’ a qualquer um, independentemente dos seus rendimentos. No caso dos impostos e dos preços dos serviços básicos (água, luz, habitação, etc.) é necessário criar uma ‘bolsa de ar’, um escalão mínimo dentro do qual nenhum cidadão (desempregados, reformados, trabalhadores temporários, os que auferem salários mínimos) tenha que agonizar para se manter à tona de água. Para lá daquela quota, a cobrança de bens e serviços (sobretudo se resultam poluentes) far-se-ia numa proporcionalidade crescente. Quem mais consome/polui, mais paga! O problema é que isto vai contra toda a lógica capitalista de maximização do consumo: quanto mais consomes mais barato te sai o preço unitário. A própria UE apoiava, através da sua politica agrícola comum, as explorações agrícolas em função da sua produtividade, beneficiando os maiores (porque mais facilmente diluem os custos unitários). Ora, se já são grandes e produtivas para que é que necessitam de apoios?! “… a indústria alimentar à escala global está estruturada para favorecer uma produção muito abundante e a baixo custo, e os fabricantes de alimentos, as empresas de transporte de longa distância, os gigantes do fast food, as empresas publicitárias, os supermercados e os produtores industriais (os defensores do status) têm interesse em que as coisas continuem como estão. Na maior parte dos países, os sistemas de subsídios, as regulamentações e as fileiras de abastecimento estão contra o produtor que se rege pelas normas do movimento Slow (…) os métodos agrícolas actuais são claramente insustentáveis. A agricultura industrial destrói o meio ambiente. Hoje, alguns especialistas crêem que a melhor maneira de alimentar o mundo é voltar à agricultura e criação de gado mista de pequena escala, que permite um equilíbrio, respeitoso com o meio ambiente, entre colheitas e gado. Em 2003, a UE por fim acordou reformar a sua politica agrícola comum para recompensar os agricultores mais pela qualidade que pela quantidade da sua produção, assim como pela salvaguarda do meio ambiente” (por Carl Honoré em ‘Elogio de la lentitud’).
A imprensa espanhola surpreendia-se com a alta taxa da população do país, a mais elevada da Europa, que investe na compra de casa própria! Mas o que é que esperavam, quando o valor mensal de um arrendamento é idêntico ao da hipoteca a pagar ao banco?! Facilmente se encontrarão estatísticas que mostram que o peso dos gastos com a habitação no orçamento das famílias, que passou de uns 15% há umas décadas para próximo dos 50% actualmente. As casas modernas têm rendas incomportáveis para a maioria (paralelamente, observo o aumento do número de pessoas que passou a viver em auto-caravanas). A habitação é um bem essencial e, como tal, para que os cada vez mais aflitos possam ter acesso a ela, este sector devia estar sujeito a uma regulação bastante mais estrita.

O consagrado escritor Amin Maalouf disse que a geração jovem de hoje será provavelmente a primeira da história que vai viver em piores condições que a anterior. Agora digam lá, qual é a ‘lógica’ mais lógica?! A máxima capitalista que beneficia poucos e grandes, ou uma lógica mais social e justa que tente não excluir e não deixar ninguém com a corda na garganta!?
Designado por ‘último paraíso terrestre’, o caso do Butão é exemplar: “o governo deste ‘país das plantas medicinais’ desenvolveu e aplicou o conceito inovador de ‘Felicidade Interna Bruta’, por considerar que o bem-estar emocional da população é mais importante do que o desenvolvimento material…”, escrevi na crónica 33 (de 14.09.10). A China, por sua vez, que não tem sido nenhum exemplo, anunciou recentemente que o objectivo das novas políticas do governo para os próximos 5 anos é o de reduzir a diferença entre ricos e pobres. Vamos lá a ver se o grande dragão asiático dá uma lição ao Ocidente.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A nova pobreza - Crónica 36

Ser pobre em França pode ser enganador para um português, já que a fasquia está colocada cerca dos 900euros/mês (o salário mínimo), mas não é menos certo que por todo o lado cresce o número de pessoas com ‘a corda na garganta’. Os frios números de Setembro disseram que nos Estados Unidos da América 14% da população (uns 35 milhões de habitantes) está a viver num nível de pobreza (recebe menos de 10.800 USD/ano). Em França, 13% da população (8 milhões) vive no limiar da pobreza. Em Espanha, o desemprego chegou aos 21% (mais de 4,5 milhões de pessoas); ali, fala-se de uma geração perdida, os ‘Ninis’ (não estudam e não trabalham, e um de cada 4 deles nem deseja fazê-lo), que representam 14% da população juvenil (15-24 anos). Roménia e Bulgária são outros dos países europeus onde o desemprego atinge cifras da ordem dos 20%...
Passados tantos séculos, parece que as sociedades modernas continuam a padecer dos males que afectavam a época dos imperadores romanos, do séc. II d.C.: “Parte dos nossos males provém de que há demasiados homens vergonhosamente ricos ou desesperadamente pobres” (Marguerite Yourcenar, em ‘Memórias de Adriano’). E isto é tão básico que me custa compreender que apenas aqueles que têm uma preocupação extrema com a acumulação de dinheiro (e de prestigio petulante), como empresários e políticos, não vêem! Alguém me respondeu que sempre existirão ricos e pobres: de acordo, não contesto, até porque existem pessoas que fazem questão de viver com pouco ou de não trabalhar! A dúvida coloca-se na amplitude de tal diferença, no exagero da diferença prática entre aqueles que vivem ‘demasiadamente bem’ e desperdiçam muito, e os que se ‘matam’ a trabalhar para se manterem apenas no limiar da sobrevivência!
Discordo de filosofias ‘anti-despedimento’ de esquerda (porque nem o Estado nem um empresário com iniciativa têm obrigação de alimentar um empregado que não quer trabalhar ou que o faz mal (e são muitos). Desconfio dos designados ‘direitos adquiridos’ porque isso gera acomodamento (e, em consequência, baixas produtividades e qualidade de serviço inaceitáveis e asfixiantes) e porque necessitamos manter alguma capacidade de adaptação numa sociedade em permanente mudança. Mas também penso que classe politica e sector administrativo do Estado devem ser mais responsabilizados, e remunerados em função de uma produtividade, mais qualitativa que quantitativa, de acordo com uma lógica mista (uma base fixa e uma parte variável em função dos resultados).
Os dirigentes políticos fazem questão de nos fazer crer no seu ‘patriotismo’ (uma palavra com cada vez menos significado), e de pousar a mão no peito quando escutam o hino nacional…. O Presidente Zapatero agradeceu o “esforço dos espanhóis” perante a crise e medidas paliativas do governo que lhes retiram benefícios e lhes agravam a vida. Ele recebe mais de 71.000Euros/ano (não é que seja demasiado, mas nalgumas comunidades, o rico é o que ganha mais de 80.000Euros/ano – será coincidência?!), fora os extras! Perante um país em grave crise, as elevadas percentagens de desemprego, e a quantidade de famílias a lutar pela sobrevivência, não seria elementar que esses mesmos políticos fossem os primeiros a dar o exemplo, pondo em prática o dito patriotismo, decidindo reduzir as suas regalias? Uma questão de princípio! Como se pode aceitar que os dirigentes máximos de um país decidam reduzir os parcos benefícios de alguns (refiro-me ao aumento da idade de reforma, e redução de 5% de alguns salários, no caso espanhol), sem tocar nos seus próprios (a retribuição dos políticos apenas foi ‘congelada’)?