terça-feira, 16 de agosto de 2011

Hipocrisía política e evidências milionárias - Crónica 46

A hipocrisia da classe política chega ao ponto de admitir que um chefe de governo ignore propositadamente um determinado problema, mas logo depois de terminado o seu mandato se constitua como principal interessado na obtenção de proveitos resultantes, precisamente, da exploração da área antes negada! O caso do ex-primeiro ministro de Espanha, Aznar, é elucidativo: durante o período do seu governo pouco ou nada fez pelo ‘Ambiente’ e não acreditava nas ‘alterações climáticas’ provocadas pelo homem. Agora, está à cabeça do instituto que vai gerir os astronómicos fundos governamentais postos à disposição para ‘ajudar a adaptar’ as populações e as regiões às ditas alterações!
A questão colocava-se entre combater as causas, o que implicava fazer frente a poderes económicos de indústrias instaladas, ou tentar minorar os efeitos, ajudando pessoas e países a adaptar-se. Obviamente, a segunda hipótese é muito mais confortável do ponto de vista da não confrontação e do populismo, além de que, mais uma vez, utiliza o manancial de dinheiros públicos da população (resultantes de impostos) para beneficiar projectos privados com reduzido controle de custos (um benefício geralmente maior para quem procede à ‘obra’ do que aquele que resulta para as populações que supostamente pretendem defender)! Numa caricatura no diário espanhol ‘Publico’, Aznar dizia: “Claro que continuo a ser ‘negacionista’, o que acontece é que antes negava as alterações climáticas e agora nego-me a não sacar uma talhada das catástrofes que provoca”!
A chefe de projectos climáticos da Fundação Rockefeller defende que “a prioridade é a adaptação, antes da mitigação”. A secretária de Estado espanhola para as alterações climáticas, Teresa Ribera, contrapõe que esquecer as causas do aquecimento “é hipócrita e não tem pés nem cabeça, porque chegaria um momento em que não poderíamos paliar nada”. É que, os países pobres suportam 99% das mortes associadas às alterações climáticas (um total de 21.000 até Set. de 2010). Há já quem considere que a ‘adaptação’ é um estratagema daquelas multinacionais que pressionam os governos dos países pobres afectados a reclamar verbas para depois as gerirem: a Nicarágua reclama 5,5 milhões para adaptar-se às inundações; a Eritreia pretende investir 6,5 milhões em sistemas de rega; o Paquistão necessita de 7,9 milhões para reduzir o impacto do derretimento dos glaciares do Karakorum. É muito mais ‘fácil’ gerir as verbas do que combater causas e, deste modo, as multinacionais actuam como uma espécie de consultor que faz a intermediação entre os governos necessitados e os cofres dos países ‘ricos’, cobram principescamente e instalam soluções que não garantem nada! Excelente negócio! Porque será que isto me faz lembrar uma história recente, relacionada com o derretimento dos glaciares…?!? (trecho do meu próximo livro: ‘As manias da Paula e as maiores tolices do mundo’)

Vem isto a propósito do nosso primeiro, Passos Coelho, que com paninhos quentes vai pedindo que não hajam conflitos sociais, ao mesmo tempo que realiza pesados (e necessários, diga-se) cortes na despesa pública, à custa do sacrifício sobretudo da classe média, e continuando a não se explicar a carnavalada que vai com os novos administradores da CGD e os projectos de privatização. Note-se que, a dívida pública portuguesa ronda os €160 mil milhões e a privatização de empresas públicas apenas contribuirá com €5,5 milhões para esse déficit (segundo Nicolau Santos do Expresso)!
Acontece que, finalmente, um milionário lúcido teve a coragem de vir a público dizer que é hora de contar com eles, os muito ricos! Warren Buffet, pôs o dedo na ferida ao afirmar que o Congresso norte-americano tem sido muito amigo deles, os multimilionários, e apelou a que o seu governo “deixe de mimar os super-ricos” introduzindo impostos sobre as grandes fortunas.
Quando toda a população vê o óbvio, que só os governantes se recusam a ver, nem que fosse para dar o exemplo, e é preciso virem os mais beneficiados expor esse óbvio com letras garrafais, não podemos deixar de concluir que a vassalagem que os políticos prestam ao poder económico se deve a que tiram partido directo da situação.
Haja mais coragem e honestidade!