segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O valor da paciência - Crónica 35

Alex, referindo-se ao ‘valor da paciência’ (programa ‘tarde em directo’, CNN+, 06.07.10), recordou um estudo de Goleman no qual várias crianças eram ‘obrigadas’ a esperar, para obter um caramelo; algumas não tinham paciência suficiente para esperar; as que o fizeram obtiveram a recompensa mais tarde; deste modo revelaram-se mais ‘maduras’, mais tolerantes e sociáveis, e como tal, possuidoras de um coeficiente emocional mais elevado. Com isto pretendia-se demonstrar que para obter certas coisas, há que merecê-las, e também justificar a imaturidade da moderna sociedade de consumo, como causa da actual crise financeira internacional: “… utilizaram dinheiro que não tinham para comprar coisas que não necessitavam e que não valiam o preço que pediam por elas…”.

Mark Twain tinha uma excelente anedota que resumia os anos da sua ‘maturação’: «Que ignorante era o meu pai quando eu tinha 14 anos. Mal podia suportá-lo. Mas quando cumpri os 21, fiquei assombrado ao descobrir o muito que ele tinha aprendido nesses sete anos».
Nos últimos anos assistimos a crianças de 5 a 11 anos de idade a baterem recordes de precocidade em provas de maratona. Em 2007, Zhang Muyuan, um menino chinês de 9 anos, tornou-se no montanhista mais jovem a coroar o cume do Kilimanjaro (5.896m. de altitude), na Tanzânia, se bem que para entrar no parque nacional os pais tiveram que mentir sobre a sua idade… O britânico Michael Perham (14 anos), bateu o recorde de precocidade de cruzar o oceano Atlântico navegando em solitário (necessitou de 46 dias para ir de Gibraltar à ilha de Antigua, nas Caraíbas). Com 13 anos, Jordan Romero, dos EUA, converteu-se no mais jovem escalador do Everest – a sua ambição nasceu aos 9 anos; com 10, subiu o Kilimanjaro, e com 11 o McKinley no Alasca (6.194 m) e o Aconcágua nos Andes (6.969 m); nascido em 1996, Jordan mantêm o plano de coroar os chamados ‘sete cumes’ dos sete continentes. Na equipa que o acompanhou estavam o seu pai, especialista em medicina e fisiologia, a sua madrasta e treinadora, e três sherpas. O adolescente explicou: “faço isto um pouco por mim, para fazer alguma coisa grande” (in www.marca.com/mas_deportes/otros_deportes.html). Este verão, em busca de um novo recorde, uma adolescente holandesa de 14 anos, partia num veleiro para uma volta ao mundo em solitário, com a autorização dos pais e o deferimento dos tribunais!!! Esperemos que não lhe suceda nada de mau…
Estas actividades, aparentemente saudáveis, são, do ponto de vista da ética dos pais das crianças, no mínimo questionáveis. É que, no afã da recompensa imediata, as pessoas esquecem-se que a maturidade se pode aproximar mais dos estados de felicidade.

Como escreveu o montanhista francês Lionel Terray, “Apenas uma longa experiência, muita observação, registada não apenas na memória, mas também no subconsciente, permite que alguns montanhistas adquiram uma espécie de instinto”. Aqui, o instinto significa também ‘maturidade’… A ciência confirma: Eduardo Punset citou o neurólogo mexicano Ranulfo Romo - «A mim, francamente, o que mais gosto não é falar perante um auditório nem tão pouco escrever os meus artigos. Gosto quando posso deter-me um instante e viver no interior do meu cérebro: é como um passeio no qual posso visitar os amigos (…) detectar detalhes (…) ver-me a mim mesmo, recuperar a vida, recreá-la…» -, para explicar que “Estas expectativas, do ponto de vista neurofisiológico, só pode cumpri-las um cérebro maduro. De aí a demonstrar – como fizeram distinguidos psiquiatras – que a maturidade é compatível com níveis de felicidade mais elevados que na juventude, não há mais que um passo que a ciência está a ponto de dar”.

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