quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

China, um mal necessário – Crónica 60

O título completo poderia ser: China, um mal necessário. Botella, um mal prescindível!
Na verdade o mal ‘China’ não é absolutamente necessário. É necessário, infelizmente e apenas, para trazer uma lição à humanidade, ou melhor, ao mundo do capitalismo desenfreado.
A desvantagem deste mal é, evidentemente, que aumenta significativamente a agressão ao ambiente do planeta e concorre para a crise económica em muitos países ocidentais.
A necessidade deste mal é a lição que traz ao sistema capitalista (além da redução da pobreza de parte da população chinesa), com a própria ‘medicina’ deste, mostrando-lhe que um sistema baseado na produção massificada, nas economias de escala, nas deslocalização com base na busca da mão-de-obra mais barata… não é sustentável para o planeta nem beneficia o futuro das sociedades que não podem, nem devem, competir nessa mesma linha.
Já não era justo que o mundo ocidental gozasse do nível de vida que gozava enquanto muitos outros países, sobretudo de África e sudeste asiático, além de verem que lhes exploravam os recursos naturais, vivessem em estado de miséria… Mas agora a situação pode inverter-se, o que também não é justo para muitas famílias ocidentais, que de repente se veem sem meios para sobreviver numa sociedade que exige que se os detenha só para existir. Nem quero imaginar as consequências mundiais quando a máquina de produção chinesa espirrar…

A referida ‘medicina’ (a fuga para a frente do sistema capitalista) não cura, ou cria mais problemas do que os que cura. Como afirmou o novo Papa: o sistema capitalista mata. A senhora Ana Botella (presidente da Comunidade de Madrid) disse (final Nov.13), por seu lado, disse que os períodos de governo do Partido Popular (política de direita neoliberal) foram os de maior crescimento da humanidade. Pode ser que sim, mas foram também os que criaram maiores desigualdades sociais e maiores atentados ao ambiente (para não falar em corrupção e atentados às liberdades individuais). O que esta senhora, que fossilizou em meados do século passado (ela garantiu que nunca se dedicaria à política), não quer saber (ou talvez não alcance) é que o paradigma da humanidade mudou há mais de 20 anos: o mundo já não necessita ou pretende ‘o maior crescimento’ ou o crescimento a qualquer preço, mas sim um desenvolvimento sustentável; e isto requer um maior rigor e justiça fiscal, maior controle dos fluxos financeiros, e políticas de âmbito social – tudo o que a ideologia de direita não deseja ver assegurado. Para o crescimento se converter em ‘desenvolvimento’ deve ser mais justo e igualitário (melhor distribuído) e necessariamente suceder a ritmos mais reduzidos para poder ser mais constante e sustentável - a bem do planeta e das populações.

Os dados já existem há muito tempo, só não vê quem não quer (recorde-se que também Aznar, o marido de Botella, desprezou o ambiente e depois foi responsável de uma controversa instituição que repartia fundos para palear desastres ambientais)! Seguramente a sra. Garrafa não é uma grande leitora, mas aconselho-a a ler, por exemplo,The end of poverty’ (Jeffrey D.Sachs), ou como a pobreza extrema pode ser debelada; ‘Limites à competição’ (Grupo de Lisboa) e The spirit level’ (Richard Wilkinson e Kate Pickett), onde se demonstra claramente o porquê de a ‘igualdade’ ser muito mais beneficiosa para todos do que as diferenças levadas ao limite pelo excesso de competição; e já agora também ‘Why kindness is good for you’ (David Hamilton), que lhe mostrará as vantagens da bondade e gratidão para a saúde de cada um e de todos!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Espanha – ironias e vergonhas – Crónica 59

Ironias e extravagâncias dos temas atualmente em discussão pela sociedade espanhola…

- Indigna-me mais a dor infligida pelo desahucio (despejo) de uma pessoa em Espanha do que a dor pelas feridas causadas pelas ‘cuchillas’ ou concertinas para travar os imigrantes ilegais na fronteira de Melilla.

- Os esforços dos espanhóis “serão recompensados com ‘creces’ (acréscimos ou juros) no futuro”, disse o presidente Rajoy. Sim, com certeza cada espanhol será recompensado no céu, com sete virgens para cada um! Onde é que já ouvimos isto!?

- O atual sistema mata! “O capitalismo mata”, terá dito o Papa Francisco!

- As elétricas espanholas cortam a luz a 47 mil lares no que vai de ano (1,5 milhões em 2012) por falta de pagamento da fatura de consumo.

- A senhora Pilar Albert interrompeu na rua a princesa Letizia para lhe expor os problemas de que padece… Segundo o projeto de lei de ‘seguridad ciudadana’ (ou ‘lei da repressão’, como lhe chamam outros - o maior atentado à liberdade de toda a história da democracia) do Partido Popular no governo, talvez a sra. Pilar se arrisque a ser multada por ‘scratch’ (nome dado à ação de falar mais alto que um político) …


- Transparência Internacional diz que Espanha é o segundo país do mundo (em 1º está a Síria!) onde mais aumenta a perceção de corrupção (03.12.13)! O relatório CIS corrobora ao constatar que a corrupção se converteu no segundo maior problema para os espanhóis (depois do desemprego e à frente da crise económica!). Depois da série de escândalos que envolveram toda a linha de responsáveis do PP, o partido no governo mal tem legitimidade para existir quanto mais para governar…

- 7 demissões consecutivas de altos cargos das Finanças espanholas (Agência Tributária) devido a ingerências políticas que resultaram em pressões, desautorizações e dualidade de critérios em casos de fraude: anulação (ou perdão) de uma sanção milionária (€450M) à multinacional do cimento Cemex; aceitação de faturas falsas da infanta Cristina como válidas para não ter que a incriminar; … entre outros.
A Justiça espanhola está em causa: nos EUA o caso Madoff foi julgado (e punido) em 4 meses; em Espanha o caso da rede de corrupção Gürtel leva mais de 4 anos e meio…

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O pior de dois mundos – Crónica 58

Nos anos 90, um homem de nacionalidade alemã a residir no Algarve dizia-me que estava ‘por aqui’ (fez o gesto da mão a passar pela testa) da Alemanha e das suas leis e controles, e por isso se tinha mudado para o sul do nosso país… Hoje recordo-o porque a presente reflexão me fez pensar que, com tantas regulamentações e controles, as coisas na Alemanha e países do norte da Europa ‘funcionam’! Naquela altura, nos países do sul como Portugal e Espanha (ou mesmo todos os do denominado ‘Club Med’), embora as coisas não funcionassem muito bem e se verificasse já um elevado índice de corrupção ao nível das ‘classes’ dirigentes, o controle e as regulamentações eram mais relaxadas e a população que não se implicava podia esgrimir um “desde que me deixem em paz” para continuar a viver a sua vida sem se incomodar demasiado…
 foto: Diário do Verde
 
Hoje, no entanto, com a tendência de aproximação das nossas leis às dos países ‘desenvolvidos’ e/ou subjugação às imposições da União Europeia, começamos também a estar ‘por aqui’ das regulamentações e perseguição do nosso Estado. Este entra, sem pedir licença, nas nossas casas e algibeiras, com a agravante de que aqui o acesso à participação da população na política se mantém controlado (tudo o que não venha da órbita dos partidos políticos ou da capacidade de ‘negociação’ e lobbying dos grandes grupos económicos, simplesmente não avança/funciona), ao mesmo tempo que continuamos a assistir ao deprimente espetáculo da corrupção no seio das ‘classes’ dirigentes, e ao da sua impunidade devido à ‘ineficácia’ (propositada?) da Justiça.

É por isto que Portugal e Espanha (extensível a Itália e Grécia) vivem o pior dos dois mundos: o pior dos países desenvolvidos com o seu excesso de regulações e controle, mas num Estado que não sabe ou não quer permitir que a sua população beneficie disso, que torna sufocante a sua pressão ao intrometer-se com duvidosa legitimidade nas suas vidas privadas (controlando o teu acesso à conta bancária; dizendo-te como educar os teus filhos; impondo-te o número de animais que podes ter; despejando-te de casa…) e esconde a sua incompetência na burocracia; e o pior dos países subdesenvolvidos com os seus elevados níveis de corrupção (por parte da mesma elite que ‘constrói’ as leis mas que também as sabe contornar e beneficiar delas) e os seus procedimentos para obstaculizar à participação ativa da população no processo governativo.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mais proteção aos… mais protegidos! - Crónica 57

Na semana passada foi assassinado um agente de execução tributária. O único que ocorreu à ministra (e a outros dirigentes) foi: legislar para aumentar a proteção do agente! Como se fossem as palavras escritas num calhamaço, que cada vez menos os cidadãos conhecem, o que aumentasse essa proteção, e como se não houvessem outros problemas a montante.

 (foto: Publico.pt)
É típico do Estado português proceder de ânimo-leve a este tipo de execuções fiscais escudando-se na lei: levam-se casas e outros bens como se tratasse apenas de retirar um doce a uma criança porque este lhe faz mal aos dentes ou estômago, com a subtileza de um elefante numa montra de porcelanas. Veja-se a forma típica de atuação da ASAE, ou recorde-se a condenação do Estado português pelo TEDH, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violar o art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - todos os cidadãos têm “o direito de ter a sua causa tratada… dentro de um prazo razoável” (JN, 05.12.12). Os tribunais tinham demorado 5 e 10 anos para sentenciar os casos de uma cidadã e de um casal. Pagámos 8500 euros a cada queixoso.

Porque é que não ocorre a nenhum governante perguntar-se sobre o que terá levado um individuo a recorrer a uma arma de fogo para ‘resolver’ o seu problema!?! Provavelmente o homem sofria algum desequilíbrio, mas muito provavelmente agiu também em desespero. Então, a questão deveria passar a ser: de que forma é que uma decisão de um tribunal, e consequente atuação de agentes de execução, levam um individuo ao desespero e que alterações se poderiam promover para o evitar. Muito provavelmente o problema resultou da forma de atuação e não da decisão legal. Ou seja, porque não passar a tratar as pessoas como pessoas e não como ‘animais’ que ‘incomodam’ o sistema!?

De facto, corremos o risco de que com o aumento deste tipo de pressão social, e de imposição do Estado, aquele tipo de casos se venha a multiplicar, independentemente das alterações à lei.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O ‘mnha’ e as TVs nacionais - Crónica 56

O inventor do termo, ou melhor, deste irritante ruido bisilábico destinado a ganhar tempo durante entrevistas ou relatos foi o pivot da … (de qual dos canais?), José Alberto Carvalho. Falo da expressão mnha (cuja derivação pode ser também mnhe). Tal foi a sua difusão entre os atores dos media que, hoje em dia, qualquer jornalista/locutor que se preze não prescinde de utilizar a palavra(?) mnha um par de vezes durante o seu direto. O campeão, atendendo ao número de utilizações do mnha, passou a ser o locutor da TSF, Paulo Cintrão. Não falta um mnha em cada frase sua!
No afã de deixar uma marca pessoal no panorama das comunicações a nível dos media, inventam-se novos termos e expressões e estas, por alguma espécie de osmose verbal, pegam com a facilidade de uma Trepadeira em Sintra e sem discussão. Aqui vão alguns exemplos, passado que está (ou quase) um dos últimos que foi ‘desportos radicais’ (designação destinada a empolar jovens destemidos e a assustar idosos e inativos).

‘Nadador-salvador’: o termo é tão específico que não sei onde o encaixar (para além do âmbito praia) mas um rapaz brasileiro considerou-o de tal forma rebuscado e longo que só lhe ocorreu dizer “Pô, quando um cara acaba de chamar esse nome já tá morrendo afogado”!

‘Janela de oportunidade’: termo normalmente aplicado a atividades dependentes da meteorologia mas rapidamente adaptado para a economia, para o futebol e outros âmbitos…

‘Coredor’ (sim, não é ‘corredor’ é coredor): é o termo preferido, aplicado duas vezes em cada frase, por um comentador desportivo da TSF (havia um outro que dizia 'carborizar' aplicado à prestação de jogadores de futebol).

‘Meios aéreos’: é o termo mais em moda, sobretudo em época de incêndios, e talvez o mais desnecessário. Pergunta a jornalista: “E quantos meios aéreos têm no apoio?” Responde o bombeiro: “Um meio aéreo em operação. E outro meio aéreo a caminho”. Pergunta a jornalista: “E que tipo de meio aéreo?”. Resposta: “O meio aéreo em operação é um helicóptero e o meio aéreo que vem a caminho é… outro helicóptero”. Conclusão: muitas vezes é preferível dizer logo que se tem x aviões e y helicópteros do que andar a brincar com os meios aéreos!  

Por coincidência ou talvez não, tal como o ‘fundador’ do mnha pululou de canal em canal, também a programação dos 3 principais canais nacionais é estranha e diabolicamente similar: dos diretos musicais popularuchos, a partir de aldeias do interior, que ocupam toda a tarde do fim-de-semana; aos noticiários que difundem exatamente as mesmas notícias e entrevistas; aos intervalos de publicidade que coincidem no tempo e são preenchidos pelo mesmo anunciante! Para não falar daquela série que tem um cão polícia mais inteligente que o dono e que agora tem uma versão portuguesa que passa num canal concorrente exatamente à mesma hora do original!
Penso que é por isto, para não morrer de tédio e estupidez, e por nenhuma outra razão que muitos portugueses aderem aos canais por cabo. A grande esperança que era a RTP2, transformou-se agora num canal infantil (com um ‘Zig Zag’ que dura todo o dia). E os miúdos necessitam disso? Aliás, os pais delas aprovarão?
Ainda se discute como reorganizar os canais ‘temáticos’ da RTP… Sou da opinião de juntar a RTP Internacional, África e Noticias num só (partilhando o tempo de emissão) e acabar com a RTP2!