(continuação da anterior)
Se é verdade que existe uma relação tão directa entre riqueza, consumo e poluição (ver crónica 17, de 19.07.09), que domina a sociedade ocidental actual, então, também a cada pessoa devia estar associada uma quota de consumo/poluição (tal como existe a nível de certos países, no caso da poluição, no caso da produção de leite ou cereais, ou no caso das capturas piscícolas), dentro da qual estaria permito ‘respirar’ a qualquer um, independentemente dos seus rendimentos. No caso dos impostos e dos preços dos serviços básicos (água, luz, habitação, etc.) é necessário criar uma ‘bolsa de ar’, um escalão mínimo dentro do qual nenhum cidadão (desempregados, reformados, trabalhadores temporários, os que auferem salários mínimos) tenha que agonizar para se manter à tona de água. Para lá daquela quota, a cobrança de bens e serviços (sobretudo se resultam poluentes) far-se-ia numa proporcionalidade crescente. Quem mais consome/polui, mais paga! O problema é que isto vai contra toda a lógica capitalista de maximização do consumo: quanto mais consomes mais barato te sai o preço unitário. A própria UE apoiava, através da sua politica agrícola comum, as explorações agrícolas em função da sua produtividade, beneficiando os maiores (porque mais facilmente diluem os custos unitários). Ora, se já são grandes e produtivas para que é que necessitam de apoios?! “… a indústria alimentar à escala global está estruturada para favorecer uma produção muito abundante e a baixo custo, e os fabricantes de alimentos, as empresas de transporte de longa distância, os gigantes do fast food, as empresas publicitárias, os supermercados e os produtores industriais (os defensores do status) têm interesse em que as coisas continuem como estão. Na maior parte dos países, os sistemas de subsídios, as regulamentações e as fileiras de abastecimento estão contra o produtor que se rege pelas normas do movimento Slow (…) os métodos agrícolas actuais são claramente insustentáveis. A agricultura industrial destrói o meio ambiente. Hoje, alguns especialistas crêem que a melhor maneira de alimentar o mundo é voltar à agricultura e criação de gado mista de pequena escala, que permite um equilíbrio, respeitoso com o meio ambiente, entre colheitas e gado. Em 2003, a UE por fim acordou reformar a sua politica agrícola comum para recompensar os agricultores mais pela qualidade que pela quantidade da sua produção, assim como pela salvaguarda do meio ambiente” (por Carl Honoré em ‘Elogio de la lentitud’).
A imprensa espanhola surpreendia-se com a alta taxa da população do país, a mais elevada da Europa, que investe na compra de casa própria! Mas o que é que esperavam, quando o valor mensal de um arrendamento é idêntico ao da hipoteca a pagar ao banco?! Facilmente se encontrarão estatísticas que mostram que o peso dos gastos com a habitação no orçamento das famílias, que passou de uns 15% há umas décadas para próximo dos 50% actualmente. As casas modernas têm rendas incomportáveis para a maioria (paralelamente, observo o aumento do número de pessoas que passou a viver em auto-caravanas). A habitação é um bem essencial e, como tal, para que os cada vez mais aflitos possam ter acesso a ela, este sector devia estar sujeito a uma regulação bastante mais estrita.
O consagrado escritor Amin Maalouf disse que a geração jovem de hoje será provavelmente a primeira da história que vai viver em piores condições que a anterior. Agora digam lá, qual é a ‘lógica’ mais lógica?! A máxima capitalista que beneficia poucos e grandes, ou uma lógica mais social e justa que tente não excluir e não deixar ninguém com a corda na garganta!?
Designado por ‘último paraíso terrestre’, o caso do Butão é exemplar: “o governo deste ‘país das plantas medicinais’ desenvolveu e aplicou o conceito inovador de ‘Felicidade Interna Bruta’, por considerar que o bem-estar emocional da população é mais importante do que o desenvolvimento material…”, escrevi na crónica 33 (de 14.09.10). A China, por sua vez, que não tem sido nenhum exemplo, anunciou recentemente que o objectivo das novas políticas do governo para os próximos 5 anos é o de reduzir a diferença entre ricos e pobres. Vamos lá a ver se o grande dragão asiático dá uma lição ao Ocidente.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
A nova pobreza - Crónica 36
Ser pobre em França pode ser enganador para um português, já que a fasquia está colocada cerca dos 900euros/mês (o salário mínimo), mas não é menos certo que por todo o lado cresce o número de pessoas com ‘a corda na garganta’. Os frios números de Setembro disseram que nos Estados Unidos da América 14% da população (uns 35 milhões de habitantes) está a viver num nível de pobreza (recebe menos de 10.800 USD/ano). Em França, 13% da população (8 milhões) vive no limiar da pobreza. Em Espanha, o desemprego chegou aos 21% (mais de 4,5 milhões de pessoas); ali, fala-se de uma geração perdida, os ‘Ninis’ (não estudam e não trabalham, e um de cada 4 deles nem deseja fazê-lo), que representam 14% da população juvenil (15-24 anos). Roménia e Bulgária são outros dos países europeus onde o desemprego atinge cifras da ordem dos 20%...
Passados tantos séculos, parece que as sociedades modernas continuam a padecer dos males que afectavam a época dos imperadores romanos, do séc. II d.C.: “Parte dos nossos males provém de que há demasiados homens vergonhosamente ricos ou desesperadamente pobres” (Marguerite Yourcenar, em ‘Memórias de Adriano’). E isto é tão básico que me custa compreender que apenas aqueles que têm uma preocupação extrema com a acumulação de dinheiro (e de prestigio petulante), como empresários e políticos, não vêem! Alguém me respondeu que sempre existirão ricos e pobres: de acordo, não contesto, até porque existem pessoas que fazem questão de viver com pouco ou de não trabalhar! A dúvida coloca-se na amplitude de tal diferença, no exagero da diferença prática entre aqueles que vivem ‘demasiadamente bem’ e desperdiçam muito, e os que se ‘matam’ a trabalhar para se manterem apenas no limiar da sobrevivência!
Discordo de filosofias ‘anti-despedimento’ de esquerda (porque nem o Estado nem um empresário com iniciativa têm obrigação de alimentar um empregado que não quer trabalhar ou que o faz mal (e são muitos). Desconfio dos designados ‘direitos adquiridos’ porque isso gera acomodamento (e, em consequência, baixas produtividades e qualidade de serviço inaceitáveis e asfixiantes) e porque necessitamos manter alguma capacidade de adaptação numa sociedade em permanente mudança. Mas também penso que classe politica e sector administrativo do Estado devem ser mais responsabilizados, e remunerados em função de uma produtividade, mais qualitativa que quantitativa, de acordo com uma lógica mista (uma base fixa e uma parte variável em função dos resultados).
Os dirigentes políticos fazem questão de nos fazer crer no seu ‘patriotismo’ (uma palavra com cada vez menos significado), e de pousar a mão no peito quando escutam o hino nacional…. O Presidente Zapatero agradeceu o “esforço dos espanhóis” perante a crise e medidas paliativas do governo que lhes retiram benefícios e lhes agravam a vida. Ele recebe mais de 71.000Euros/ano (não é que seja demasiado, mas nalgumas comunidades, o rico é o que ganha mais de 80.000Euros/ano – será coincidência?!), fora os extras! Perante um país em grave crise, as elevadas percentagens de desemprego, e a quantidade de famílias a lutar pela sobrevivência, não seria elementar que esses mesmos políticos fossem os primeiros a dar o exemplo, pondo em prática o dito patriotismo, decidindo reduzir as suas regalias? Uma questão de princípio! Como se pode aceitar que os dirigentes máximos de um país decidam reduzir os parcos benefícios de alguns (refiro-me ao aumento da idade de reforma, e redução de 5% de alguns salários, no caso espanhol), sem tocar nos seus próprios (a retribuição dos políticos apenas foi ‘congelada’)?
Passados tantos séculos, parece que as sociedades modernas continuam a padecer dos males que afectavam a época dos imperadores romanos, do séc. II d.C.: “Parte dos nossos males provém de que há demasiados homens vergonhosamente ricos ou desesperadamente pobres” (Marguerite Yourcenar, em ‘Memórias de Adriano’). E isto é tão básico que me custa compreender que apenas aqueles que têm uma preocupação extrema com a acumulação de dinheiro (e de prestigio petulante), como empresários e políticos, não vêem! Alguém me respondeu que sempre existirão ricos e pobres: de acordo, não contesto, até porque existem pessoas que fazem questão de viver com pouco ou de não trabalhar! A dúvida coloca-se na amplitude de tal diferença, no exagero da diferença prática entre aqueles que vivem ‘demasiadamente bem’ e desperdiçam muito, e os que se ‘matam’ a trabalhar para se manterem apenas no limiar da sobrevivência!
Discordo de filosofias ‘anti-despedimento’ de esquerda (porque nem o Estado nem um empresário com iniciativa têm obrigação de alimentar um empregado que não quer trabalhar ou que o faz mal (e são muitos). Desconfio dos designados ‘direitos adquiridos’ porque isso gera acomodamento (e, em consequência, baixas produtividades e qualidade de serviço inaceitáveis e asfixiantes) e porque necessitamos manter alguma capacidade de adaptação numa sociedade em permanente mudança. Mas também penso que classe politica e sector administrativo do Estado devem ser mais responsabilizados, e remunerados em função de uma produtividade, mais qualitativa que quantitativa, de acordo com uma lógica mista (uma base fixa e uma parte variável em função dos resultados).
Os dirigentes políticos fazem questão de nos fazer crer no seu ‘patriotismo’ (uma palavra com cada vez menos significado), e de pousar a mão no peito quando escutam o hino nacional…. O Presidente Zapatero agradeceu o “esforço dos espanhóis” perante a crise e medidas paliativas do governo que lhes retiram benefícios e lhes agravam a vida. Ele recebe mais de 71.000Euros/ano (não é que seja demasiado, mas nalgumas comunidades, o rico é o que ganha mais de 80.000Euros/ano – será coincidência?!), fora os extras! Perante um país em grave crise, as elevadas percentagens de desemprego, e a quantidade de famílias a lutar pela sobrevivência, não seria elementar que esses mesmos políticos fossem os primeiros a dar o exemplo, pondo em prática o dito patriotismo, decidindo reduzir as suas regalias? Uma questão de princípio! Como se pode aceitar que os dirigentes máximos de um país decidam reduzir os parcos benefícios de alguns (refiro-me ao aumento da idade de reforma, e redução de 5% de alguns salários, no caso espanhol), sem tocar nos seus próprios (a retribuição dos políticos apenas foi ‘congelada’)?
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